Temos afirmado que a nossa lei penal é muito benevolente e inadequada à realidade. Benevolente ao estabelecer penas muito brandas, e especialmente ao instituir o regime de prisão aberta, que é uma verdadeira aberração, porque prisão aberta na verdade não é prisão. Extremamente inadequada, quando estabelece pena prisional para os condenados pelo cometimento de crimes financeiros, vale dizer, crimes nos quais não há nenhum perigo para a integridade física das pessoas.
Como exemplo de crimes para os quais, em vez de pena prisional, deve ser cominada somente pena de multa, podemos citar os de violação de direito autoral), moeda falsa, falsificação de papéis públicos, peculato, além de muitos outros, cujo cometimento não envolve nenhum perigo para a integridade física das pessoas. A pena de multa, razoavelmente elevada, alcança perfeitamente a finalidade essencial das sanções penais, ao desestimular o cometimento dos crimes, além de reduzir significativamente a população carcerária, com a consequente redução do gasto público.
É incontestável a adequação da pena de multa para os crimes que não envolvam risco para a integridade física das pessoas. As penas de multa, as mais elevadas possíveis, além de desestimularem o cometimento desses crimes, propiciariam significativa arrecadação, e nenhuma despesas para os cofres públicos.
Existem, é certo, crimes que não envolvem perigo para a integridade física das pessoas, mas estimulam o cometimento de outros crimes que, este sim, envolvem sérios perigos para a integridade física das pessoas, como é o caso do estelionato. O crime de receptação também não envolve perigo para a integridade física das pessoas, mas indiretamente envolve, sim, pois estimula o cometimento de assaltos e roubos, com enorme perigo para a integridade física e até para a vida das pessoas. Para esses crimes certamente é adequada a pena prisional.
Seja como for, ninguém pode negar que a pena de multa, sendo bastante elevada, seria um desestímulo ao cometimento dos denominados crimes financeiros, como é o caso, por exemplo, de supressão ou redução de tributos, a remessa ilegal de recursos financeiros para o exterior. Além disto, a opção pela pena de multa em tais casos, além de propiciar arrecadação de recursos financeiros para o Tesouro Nacional, evitaria o aumento da população prisional que onera os cofres públicos. Assim, é indiscutivelmente mais adequada para punir os crimes que envolvem patrimônio e de nenhum modo implicam perigo para a integridade física das pessoas.
Entre os problemas mais sérios a serem enfrentados atualmente em nosso país podem ser colocados o elevado gasto público e o excesso de população carcerária. Na verdade parece que as mais importantes autoridades de nosso país não se preocupam com o excesso de gastos públicos, como restou demonstrado com a deliberação de importantes órgãos do Poder Público nacional a respeito da elevação dos vencimentos de seus membros.
Cada autoridade, ao que nos parece, preocupa-se apenas com os seus interesses individuais e não com o interesse público. E os cofres públicos sofrem com isto, pois a cada dia cresce o gasto público.
A única coisa que em nosso país tem sido feita para suprir o déficit público é o aumento de tributos, mas nossa carga tributária atualmente já é exageradamente elevada, de sorte que novos aumentos se mostram impraticáveis.
Aliás, é importante ressaltarmos que o aumento de tributos, embora seja feito com o intuito de aumentar a arrecadação, na verdade terminam por produzir o efeito contrário, na medida em que implicam redução da atividade econômica, fazendo com que muitos empresários deixem de vir instalar empresas no Brasil, e muitos empresários brasileiros prefiram instalar empresas no exterior.
Por outro lado, todos sabem da superpopulação carcerária, que a cada dia aumenta, pois a criminalidade tem crescido assustadoramente, com insuportável insegurança pública, que apenas favorece os empresários que prestam serviços de segurança privada, entre os quais estão importantes políticos que obviamente não têm interesse em reduzir o mercado de suas empresas.
Entre os males decorrentes do excesso de população carcerária podemos citar o elevado gasto público e o aumento da criminalidade. Elevado gasto público porque em nosso país, infelizmente, os presídios ainda são mantidos e administrados pelo Poder Público. Muitos pelos Estados e alguns pela União Federal. E o aumento da criminalidade, pois as prisões são verdadeiras escolas do crime.
Realmente, sabemos todos que nas prisões em nosso país existem presos que, além se extremamente perigosos, são verdadeiros formadores de novos criminosos. E quando chega ao presídio o autor de um crime comum, é logo assediado pelos líderes daquele presídio que o obrigam a escolher de que lado vai ficar e a qual segmento de criminosos se vai associar.
Como atualmente a pena de prisão é aplicada a criminosos que não oferecem perigo para a integridade física da comunidade, muitos presos, que não eram perigosos, transformam-se em criminosos altamente perigosos para a sociedade, e quando postos em liberdade passam a atuar sob o comando de seus chefes, que lhes dão ordens e orientações de dentro dos presídios, pondo a comunidade em risco e aumentando a criminalidade em todo o território nacional.
A substituição da pena de prisão por outras espécies de sanção justifica plenamente porque pois a pena de prisão tem sido severamente criticada por juristas que conhecem muito bem do assunto. A esse respeito merece transcrição a doutrina de César Barros Leal, que escreve:
“Ao longo de sua história, a pena de prisão bem sido objeto de severas críticas, especialmente dirigidas à falência de sua meta de intimidação, assim como de ressocialização do condenado.
Em todo o mundo, a aplicação da lei custodial, mesmo nos países onde se constata uma política favorável à expansão do parque prisional, não conseguiu conter a onda de crimes, cada vez mais avassaladora.
Longe de ser uma agência terapêutica, constitui o cárcere um núcleo de aperfeiçoamento de criminosos, a ressocialização tornando-se absolutamente ilusória num universo hermético, no qual fatores de toda ordem lhe anulam as esperanças, tanto mais porque, como registra Augusto Thompson, citando Rupert Cross e Thomas M. Osborne, “treinar homens para a vida livre, submetendo-os a condições de cativeiro, afigura-se tão absurdo como alguém se preparar para uma corrida ficando na cama por semanas.”[1]
O convencimento de que a prisão, sobre não intimidar, é a estufa onde “o micróbio do mal se desenvolve, se multiplica e rebaixa”, na descrição de Teolindo Castiglione, citado por Licínio Barbosa[2] ou “uma jaula reprodutora de delinqüentes”, na linguagem de Evandro Lins e Silva[3], há sido, aliás, um estímulo à defesa de outras sanções penais, destinadas àquelas categorias de sentenciados, para os quais o encarceramento, mormente de curta duração, deve evitar-se a todo custo.” [4]
Na verdade, a prática tem demonstrado que a pena de prisão não intimida, não contém a onda de crimes que tem provocado a superpopulação dos presídios e o seu cumprimento não ressocializa. Muito ao contrário, torna o criminoso comum, que comete um crime menos grave, um especialista em crimes da maior gravidade que se possa imaginar.
Tanto é assim que Marcelo Leal, oficial superior da Polícia Militar do Maranhão, questionado sobre se o atual sistema prisional está contribuindo para a recuperação dos detentos, respondeu:
“Salvo melhor juízo, NÃO !
É possível que, atualmente, muitos presidiários ingressem nos presídios como ladrões de bicicletas e saiam como ladrões de aviões.”
Por outro lado, a manutenção de presídios tem um elevado custo, que pode ser evitado com a substituição da pena prisional por outras espécies de pena.
Em face das considerações acima expostas, propomos a alteração de dispositivos legais que prescrevem a pena prisional para autores de crimes que não implicam perigo físico para a comunidade, com a substituição da pena prisional por penas diversas, que podem ser a multa ou trabalhos forçados.
Entre os dispositivos do Código Penal que devem ser alterados, com a substituição da pena prisional por pena de multa ou de trabalhos forçados, podemos citar os artigos 60,75,150,151,152, 153, 154, 155, 168, 168-A, 171, 172, 175, 176, 178, 179, 180, 184, 185, 205, 205, 206, 207, 226, 227, entre outros, que definem crimes cujo cometimento não envolve perigo para a integridade física das pessoas.
Outras leis ordinárias também devem ser alteradas, entre as quais podemos citar a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, a Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991 e a Lei nº 8. 245, de 18 de outubro de 1991.
A alteração de dispositivos legais que sugerimos implica, indiscutivelmente, duas vantagens, a saber, reduz o gasto público e a população carcerária. E não implica, ao que nos consta, nenhuma desvantagem.
Professor Titular de Direito Tributário da UFC
Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários
Fonte:
REVISTA SÍNTESE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL, v. 01, p. 179-183, 2019